Não
acreditaram quando eu disse que não era sua mãe. Os três empalideceram ainda
mais ao ouvirem minha voz. Não acreditaram nas minhas juras, nos meus
documentos, nos repetidos exames de DNA. Queriam a mãe de volta mesmo que na
réplica de uma completa estranha. Eu. Nas fotografias e pinturas de retratos
espalhados pela casa dos três irmãos: uma mulher venerada. Na sala de estar, na
sala de jantar, no salão de música, nos nichos entre um cômodo e outro, na
capela da fazenda. Diziam a quem aparecesse que eu era a mãe em meus menores
gestos. Na caligrafia, nos mesmos fios de cabelo fora de ordem. Que não era
coincidência, era sobre-humano. Não querendo constranger-me no papel oferecido,
queriam que eu me sentisse livre para movimentar-me, falar e agir no meu
natural, que quanto mais espontânea, quanto mais eu mesma, mais eu era a outra.
Após meses de insistência, por-favores e no final súplicas e genuflexões,
ficaram felizes quando me viram enfim instalada e habitando o quarto da mãe nas
ensolaradas terras da família. Permitiram que eu continuasse trabalhando em meu
ofício, vestindo minhas próprias roupas e perfumando-me com o que agradasse
meus sentidos. Minha única obrigação era ser eu 24 horas por dia, sem mudar um
milímetro. Andar como sempre andei, levar o garfo à boca da forma que sempre
levei, perder-me nas nuvens do céu como sempre me perdi. Falar com a minha voz
meus pensamentos, verter minhas dores com as minhas lágrimas. Eles sempre
estariam ao meu lado para ouvir e consolar-me. Respeitavam meus longos momentos
de solidão, minhas estadias no isolamento, meu silêncio. Nesses episódios, a
saudade deles só fazia aumentar. Um dia meu humor melhorava e o prazer do
reencontro em família queimava o corpo dos três como um êxtase. Após quatro
anos comecei a adoecer por qualquer motivo. Médicos, panaceias, acompanhantes,
espiritismos. Quando me recuperei, levaram-me para conhecer o mundo. Terra
cognita. Terra incognita. Comiam, riam e brindavam de olhos presos na mãe que
eu lhes dera. A Terra Reconquistada. E assim foram me vendo envelhecer como
envelheceria a mãe tão prematuramente morta, uma experiência que a vida lhes
recusara. Enchiam-me de atenção e cuidados, contavam minhas rugas, faziam
cálculos. No último Natal presentearam-me com uma cadeira de rodas motorizada,
uma caixa de cadernos em branco franceses para minhas anotações e uma nova
acompanhante multilíngue para eu não me esquecer dos idiomas que dominava.
Sabiam que eu já não podia trabalhar com o mesmo afinco e energia, mas que
minhas dores de cabeça e vertigem ainda permaneciam como sinais vivos e
incólumes de minha atividade cerebral minutos antes de escrever qualquer coisa.
Eu os via pelo espelho reunidos ao meu lado. Pálidos e emocionados. Notei que
não envelheciam. Eram os mesmos filhos como os conheci naquele fim de tarde em
que parei no posto da estrada só para verificar os freios e tomar um café que me
espantasse o sono.