10.12.20

Fórmulas

 

Você cuida, eles escapam.

Dentes, palavras.

Um dia escapam.

Pela brecha eu a vi,

sentada na casinha

que dava para o morro:

“Você cuida, eles escapam.

Dentes, palavras.”

Desde então, não me necessito mais.

Preciso tomar fórmulas.

No cinema, poetas escoavam versos

sorrindo para satisfazer nossa vaidade.

Desde então, quando dizem

“uma árvore alcançando o céu invisível”,

sei que querem dizer outra coisa.

A coisa que procuro, cuido e escapa.

Porque existem fórmulas

e me ajeito por trás delas

virando a cabeça para tocar-lhes a face.

Se é assim que gostam de vestir-se.





28.11.20

Daria Menicanti - 1 poema de amor




Quanto tempo -- você dirá. E haverá

cheiro de trem, de comida frita,

e um plumaço de brisa marinha

já na Saída. Nos jardins agrícolas

da Estação, a lua retornará.

-- Como está -- você vai perguntar. 

De um indomável poema antigo de amor 

sorrir para você será maravilhoso:

-- Bem, quando te vejo.



(Daria Menicanti, em Un nero d'ombra, Milão1969. Trad. MP)



14.11.20

O silêncio de Beethoven




O silêncio de Beethoven


gosta de aviões

do brilho da manhã na fuselagem

o som de um avião lembra bombardeios quando está vindo

praias ensolaradas quando está indo






28.10.20

NO ME



NO  ME

 (a play)

 

 the walk

 

E:  You no somethink, for Fiama I put all ma poetriers inside a cushion to rest. And the war prophet Clause Wits too. Here, read ma offspring cod.

 A:  Clause number Thèse: “Tag the camsight lines.” Clause number Tzu: “Plunge the finest word into salt.” Clause number Try: “ Come off before it rises.” Vat diz meet, “Come off before it rises”?

 E:  It’s a kind of fooler. A fal staff fooler in case the opsycho civilimorphs pause the game. The real fooler is dangerous at full rising. This drill is supposed to be a spring, not a doggone nuke.

 A:  Shouldnt we stop with deeze drills? The odders have also their bloody word-wedding coach. I thing now is the right time for us to forge the NO ME. And then shrine it. Shrine and forguest.

 

the lab

A:  Helás, dis termite isnt strainge?

E:  Know. It’s just inaccessible for media ocrities, not strainge. Comon, it’s pure semiosis sugarfree. A feeling.

 A:  I dont no. C’est strainge. Hurryball. A name like a diabolic ferea tale.

 E:  Be nice, try it. The name meets “land of the word-eaters”. And there runs the glory. A land of psilocybinned Liszt, where they harmonized oysters, paraoidês, gaiacybers, influenced by the Himalayas. Unfortunately they used to spoil the accents. Now it seems there R only two survive fours.

 A:  It really tastes like a hi skull. You measure skulls?

 E:  Clause Wits was a colleague. I dont measure ma partners’ skulls, though they always ask me for.

 A: I m eating dis gustin shit just to help your rearsearch. Do not forguest.

 E: Dont swallow, core 'ngrato. Just chew it pianissimo. First 12 times, then 14 and 18. Spit on the Petri.

 A:  Pro-mise en abyme no more seacrets bet win us.

 E:  [smizing] Everythink you vant. Ich bin von Kopf bis Fuß auf liebe eingestellt.

 

 on Kerougharch Road

 

E: Rolleiflex, a billteafool ma chin. Levi & athan. For solo, gruppe, and holestic wild pics. It cannibals nature colours.

 A:  I kant take any peaks et al when on morfine.

 E:  Anythink is posse ball, Madame. You eight a skull, rearmember.

 A:  “Madame” non. Monseñor. O yeah, but I ape a RAF skull.

 E:  O Kay, Monseñor then. You no somethink, I observe the odders quite uau when on morfine. They dont seem so strainge as I thing B-4. I kan see all their past even from a single ketamine stanza.

 A:  I m not a poetrier like thee. I vant add ventures to ma life. Shock and ó. Sea wheels. Do not full your shelf.

 E:  In 6 days und 7 nites, o Señor Tom vai vir armar e Omar vai vir ar Señor Tone.

A: In posse balls. We R in a militar post-modernism age, a spider’s web land, with hopes and chains. No escape. No exitos. Only dissonant mind & body info. Prece pieces bet win souls. Void.

 

 the ship

 

A: [reading] “One must remember to go back step by step.” I m on a boat, mothersucker!

 E:  Haf you seen ma beginnin?

 A:  Your vat?

 E:  Ma book on tribal theories. Kant find it manywhere.

 A:  Call up spirits. Their speech in tongues May help thee.

 E:  Ayeah, god idea. Comon, les have a drink. I hate ships and waters all around ma   boreders.

  A:  Boire. Boire. Boire.

 

 the bar

 E: The words R so wide. Utterly universal in their inner selves. Deeze langrammatical fences, so pathetic. We should haf more freedoom to travel them.

 A: [swaying a bottle of gin] I wish I head known some Hottentots more amusing than you, ma deer.

 E: “Don’t cry for love lost.” Billie Holiday’s circumscription theory about luv.

 A: O theories, theories, the Ories for alluvers. There R so many in this Word. I luv evry word that seems to say, “Please me”.

 *

Maira Parula, NO ME, excerpt, ok to ber 2020.

 

 

 

 

5.10.20

Afonsinas

 



Afonsinas


A vós, arlota, meu cor,

leixo des oimais

ũas lirias recreúdas

e meu recto afeito.







25.9.20

Anne Carson entre barras com Paul Celan



"Sprachgitter* é uma palavra que Celan usa para descrever as operações de sua própria linguagem poética [...] é uma palavra composta por dois substantivos de relação ambivalente. Sprach refere-se à linguagem. Gitter significa um tipo de treliça, cerca ou malha trançada. Para os que vivem enclausurados, Gitter é a grade ou fenestra locutaria** por meio da qual falam com as pessoas que estão do lado de fora. Para os pescadores, significa uma rede ou armadilha. Para os mineralogistas, a formação em rede de um cristal. Celan usa Gitter para sugerir passagem, bloqueio ou salvação da fala? A grade pode fazer tudo isso. Celan pode estar se referindo a tudo isso [...] Celan pode sentir-se em casa na sua língua materna bastando um processo rigoroso e parcimonioso de edição de texto [...] Celan se vê ordenando a linguagem através dessa grade. A grade limita o que ele pode dizer, mas também pode depurar. Como o cristal, depura até chegar à essência. Como a rede, salva o que foi depurado."

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* Grade verbal. (N.T.)

** Janela de interlocução. (N.T.)



Anne Carson, Economy of the Unlost (Reading Simonides of Keos with Paul Celan), 1999. Excerto traduzido por Maira Parula.




 

10.8.20

Idílio




Tomo um café no bar do aeroporto.
Uma vigilante feminina abre espaço no balcão e pede uma água.
Olha minhas mãos com gula enquanto vira o copo goela abaixo.
Eu me distraio com a vista panorâmica da pista.
Não estou armada.

Desço no nono.
Fecho a porta e me jogo na cama com as chaves.
Pego no sono.
É madrugada quando acordo.
Lavo o rosto no escuro.
A luz do frigobar ilumina o quarto.
Há uma mulher nua na minha cama.
Olho para mim.
Estou vestida.

Faço sinal para o táxi.
Digo duas palavras e entro em movimento.
Não atendo o celular.
O sol bate dos dois lados.
Fico no meio.
Estrada limpa. Capinada.
Passo por igrejas.
Por um gavião.
Uma boa quantidade de latões de lixo.
Londres e Sibéria.

Vou até a porteira dos cavalos.
Ganho um beijo no rosto.
Toda a brenha se abre.
São as normas da casa.









2.8.20

meu Mundo



my World [

Till Death do us 

her part ]




31.7.20

Meia música




Canta meia música, lê meio parágrafo, bebe meio copo. O que você está fazendo. Tentando pôr algo no papel. Tentando escrever. Sim. Não é mais uma vontade, não é. É fixação, você já me disse isso. A meia porta do naufragado. Eu não posso mais ficar aqui ouvindo os seus dramas. Tenho uma reunião de trabalho agora. Diga a eles que concluí minha tradução ontem. Não sei se está boa. Preciso rever ainda. Entrego semana que vem. Por que você mesma não diz isso a eles. Por favor. Pelo menos é uma coisa que escrevi, nem que seja pela boca de outro. Não, foi o outro que escreveu pela sua boca. Tanto faz. Dane-se. Já vai. Sim. Quer que eu te deixe um café. Não. Meu estômago não vai suportar. Tente escrever agora. Ouça um clássico. Jazz, dependendo do tema. Vou te deixar em paz. Quem sabe sozinha sai algo dessa cabeça. Não, fique aqui comigo. Não posso. Seja adulta, vai. Todo o papel de que precisa tem aí. Apontei seus lápis. Não deve ser tão difícil pra você. Não é isso. Você está voltando a beber. Não devia. Eu preciso me acalmar. Tem os comprimidos. Eles me embotam. A raiva. Você devia encarar isso com mais profissionalismo. Não como um canal para a raiva. Mas o que você está dizendo. Nem me conhece mais. Pode ir para a sua reunião. Como quiser. Almoçamos juntas. Sim. Como quiser. O pássaro continua a bicar a vidraça como se me pedisse alguma coisa. Quer falar comigo e não consegue. Mande tudo pro diabo, ele diz. Escreva sobre mim. Escreva para mim. A menina entra no quadro da janela e puxa conversa com o pássaro. Ele foge. Não é sobre a menina que quero escrever. Não é para a menina que quero escrever. Já lhe dediquei muitas palavras e ela está do mesmo tamanho. Não cresceu. Ela sabe disso, por isso sempre volta aqui e espanta os pássaros que vêm me visitar e pedir que eu escreva para eles. Ela acha que escrevo para ela, mesmo quando não é, mesmo quando não escrevo nada. Acha que escrevo para ela para incentivá-la a escrever também. Mas a menina não quer ser como eu. Não quer ficar deitada na cama o dia inteiro desenhando letras. A menina sabe que tem um futuro pela frente numa profissão que ainda não escolheu. Ela nem pensa na mortandade que nos cerca e que me prende aqui. Quando for embora, o pássaro voltará à janela. Está lá no galho esperando, vejo daqui. Posso desenhá-lo. Sim. É o que farei. Tenho melhorado meu traço. Quanto menos escrevo, mais aprimoro meus desenhos. Uma coisa pela outra, ele diz, contente que a menina foi embora. Estou aqui com você agora. Faça um desenho meu. Natural. Como eu sou de verdade. Sem invenção. Quero ver como você me vê. Vou ficar aqui pousado, quieto. Posso cantar enquanto espero. Eu espero. Meio canto. Meio desenho. Meio eu e você. 





25.7.20

24.7.20

Febre




Espero a febre dela baixar. 
Aperto sua mão e sorrio dentro da máscara. 
Agora estou pronta, querida. 
Livrei-me de todos. 
Basta dizer o que penso
dar três clicks
e enfiá-los na mala do carro. 
Tiro a máscara.

23.7.20

Lapa





No início tudo era água
que o tempo foi secando.
Todo deserto era fundo de mar 
dizia Camilo Pessanha a quem quisesse ouvir. Não o poeta, mas um velho bêbado do circuito boêmio da Conde de Lages. A mesma rua que de uma janela no alto atirei décadas depois o livro de um poeta cujas iniciais do nome formavam a sigla de um vírus fatal que começaria a acossar a humanidade no remoto e nada saudoso ano de 2020. Camilo não existe mais, nem a Conde, nem livros ou poetas. Mas aqui no tubo de concreto onde moro ainda posso ouvir Villa-Lobos, antigo frequentador da Lapa, hoje Latin America Placement Agency.