6.9.14

Giuseppe Ungaretti




Os rios


Encosto-me nesta árvore mutilada
Abandonada nesta dolina
Que tem a languidez
De um circo
Antes ou depois do espetáculo
E olho
A silenciosa passagem
Das nuvens pela lua

Esta manhã recostei-me
Em uma urna de água
E como uma relíquia
Ali repousei

O Isonzo corria
Polindo-me
Como a uma de suas pedras
Ergui meus quatro ossos
E caminhei
Como um acrobata
Sobre as águas

Agachei-me

Junto a meus trapos
Sujos de guerra
E como um beduíno
Curvei-me para receber
O sol

Este é o Isonzo
Onde melhor
Me reconheci
Uma dócil fibra
Do universo

Meu suplício
É quando
Não me creio em harmonia

Mas essas mãos
Ocultas
Que me modelam
Trazem-me
A rara
Felicidade

Repasso

Épocas
De minha vida

Estes são
Meus rios

Este é o Serchio

Em que beberam
Por dois mil anos talvez
Os camponeses de minha terra
E meu pai e minha mãe

Este é o Nilo

Que me me viu
Nascer e crescer
E arder de inocência
Em suas extensas planícies

Este é o Sena

Que em sua turbulência
Misturei-me
E me conheci

Estes são meus rios

Reunidos no Isonzo

Esta é a minha nostalgia

Em que cada um deles
Me atravessa
Agora que cai a noite
E minha vida parece
Uma corola
De trevas



(Do original "I Fiumi", 1916, trad. MP.)