Todo mundo morre por um canto.
A frase surge num
momento nada a ver da conversa.
Uma frase que cada um
entenderá de um jeito.
Afonso, oitocentista, vê
no canto um ideal.
Exatamente o que não aconteceu.
Berenice, marxista,
aponta o canto no mapa.
Um território. A disputa
pela terra.
Catarina pensa num canto
de hospital.
Um canto de rua.
Catarina é triste.
Todo mundo morre por aí.
Tem um canto onde vai
cair.
Atrás da cortina do
hotel.
Tombando na mesa do chá.
Pulando o muro para
fugir em vão do seu assassino.
Mergulhando de um
penhasco.
Todo mundo morre por um
canto.
Você pode encontrá-lo todas as noites.
Ou já está deitado nele
e morre por ali mesmo.
A morte é um caderno de
folhas soltas.
Catarina sou eu, como
pensei.
Tenho de anotar-me tudo agora.
Sentada na beira da
cama,
carrego as folhas
debaixo do braço
como quem desce até a
praia.