2.9.14

todo mundo morre por um canto




Todo mundo morre por um canto. 
A frase surge num momento nada a ver da conversa. 
Uma frase que cada um entenderá de um jeito.
Afonso, oitocentista, vê no canto um ideal.
Exatamente o que não aconteceu.
Berenice, marxista, aponta o canto no mapa.
Um território. A disputa pela terra.
Catarina pensa num canto de hospital.
Um canto de rua.
Catarina é triste.
Todo mundo morre por aí.
Tem um canto onde vai cair.
Atrás da cortina do hotel.
Tombando na mesa do chá.
Pulando o muro para fugir em vão do seu assassino.
Mergulhando de um penhasco.
Todo mundo morre por um canto.
Você pode encontrá-lo todas as noites.
Ou já está deitado nele e morre por ali mesmo.
A morte é um caderno de folhas soltas.
Catarina sou eu, como pensei.
Tenho de anotar-me tudo agora.
Sentada na beira da cama,
carrego as folhas debaixo do braço
como quem desce até a praia.