23.11.14

O prisioneiro






Os dias passam.
Cada um mais curto do que ontem.
As paredes da cadeia sobem mais um pouco.
Quem é de vaca, escreve vaca.
Quem é de mar, escreve mar.
Quem é de esgoto, escreve esgoto.
A vaca lança-se ao mar pelo esgoto, anoto.
Escrever passa.
Cada dia mais curto do que ontem.
Você enjoa desse imaginário de Guantánamo.
Já sabe o que vai sair dali.
Que não vai sair nunca.
A minha sarjeta é um colchonete sujo de versos inúteis.
Os seus poemas encapuzados perderam a graça.
A rotina do medo não lhe causa mais tremores.
Encantamento.
E você pensa, Eu estou me enganando.
Se engano a mim mesmo, engano um ninguém.
O tempo podia ser generoso e arrombar as grades de aço.
Mas o tempo não é generoso. É aquilo só.
O tempo é uma escolta que nos arrasta por corredores escuros.
E na enfermaria mais um poema me vem por sonda intravenosa.
Não sei se será o último. Vomito.
Não, não vou escrevê-lo.
As luzes da enfermaria me cegam.
O médico é uma palavra com máscara.
Os interrogadores querem versos.
Belos versos que os façam chorar.
Eu não sei fazer ninguém chorar.
Guardo minhas lágrimas num cofre de sangue.
Todos os poemas que fez aqui foram falsos testemunhos -- eles dizem.
O médico se aproxima e meu peito sufoca.
Sua serra encosta no meu braço direito.
Você vai fazer um poema nem que seja pelo rabo, filho da puta.