26.5.15

Carne tua




Eu relia umas páginas de Joyce sem muito entusiasmo

Anda levanta daí, vamos ao necrotério comigo,

tem um defuntinho fresco lá;

Minas Gerais


Mascando chiclete,

Hélas era amiga do patologista
e minha amante

Vamos logo, te dou uma caixa de Bis

Hélas era dona de um armazém

Fechei o livro sem muito entusiasmo

Em Minas até o chocolate é jesuíta

Fomos a pé

Duas quadras
Santa Casa da Misericórdia
O quintal coberto de abacates

Eu não vou entrar


Hélas entrou sozinha

no seu cenário artístico nacional:
"Eu não saberia viver sem a paixão pelos mortos"
Uma dessas frases que conquistam
o nem tudo está perdido

Fico fumando perto dos abacates

Os abacates da Misericórdia
Dona Rachel viveu uma história parecida
Tinha uma amante que não era amante
E gostava de conversar com defunto
Uma cabeça de mulher
Um pé virado
Aquela pele cinza, fluida
Chega, dona Rachel, estou ficando enjoada
Fico zonza e vejo espadachins entre os abacates
Um amigo ou outro
Dona Rachel é da companhia de seguros
Me vendeu um terreno em Paraty
"Para a sua aposentadoria"

Hélas está há uma hora lá dentro

Uma hora que me sobra
Espalho a terra no chão e fico olhando
Será que minha mãe morta sabe que morei em Minas?

Hélas vem correndo,

cospe o chiclete 
e vomita sobre os abacates
as lembranças que me sobram