Não estou um fiapo de manga interessada nas suas observações do
confinamento, Eric. Já não bastam as festas ridículas que você dá na frente da
minha casa com músicas do tempo do onça – o que já é uma expressão onça – e as gargalhadas
cacarejantes dos seus convivas? Eu tenho de aturar esta merda e me concentrar
o triplo para poder trabalhar aqui na minha mesa porque, ao contrário de você e
tantos, eu não trabalho ouvindo música e dando olhadelas de lagarto na TV
ligada. Deve ser por isso que cometo erros, eu vou ler depois de pronto e não
gosto do que fiz, poderia ter caprichado mais apesar da porra do prazo que me dão.
A culpa deve ser sua, Eric, dos cacarejos de seus amigos. Já pedi a minha avó
para bloquear o seu nome no meu pc. Aliás, bloqueei tudo ontem, sites de notícias
e redes sociais, para eu não ceder à tentação de ficar fuçando por esses lás. Não
vou adoecer-me por antecipação. Aqui em casa já cheira a al-anbiq. Se chegar a minha hora, chegou a minha hora. Simples.
E foi como descarregar o Corcovado das minhas costas, sabe. “Você quer viver
numa bolha ainda maior.” E o que é que tu tem com isso? Tá fazendo o quê aqui?
Notou o acento no Q? É pra você, paspalho. Depois do megavírus, tudo mudou no
mundo, você devia tentar. Eu mudei, já fiz a transição. Que é: pouco me foder
pro que escrevo. Tirei a máscara. Estou na beira do abismo e lá embaixo é bem
bonito, veja só. Cada passo que dou à frente é uma nota na minha música. E o vento
a premir folhas e cordas. As pontas ensanguentadas dos meus dedos. Respiro
fundo porque ainda posso. É uma sensação inigualável. O ar dando a volta
inteira dentro do meu corpo. Quem respira desatento não sabe o que isso
significa, como é grandioso e belo. Mais do que qualquer animal ou obra criada
pelo homem. Respirar é maior do que Deus. Quando eu parar, Ele morre.