Quando um carro passa acelerado por minha
rua enquanto escrevo, é o som de um trem o que escuto. Se estou dentro do trem,
o que ouço é o carro acelerando na minha rua enquanto escrevo. Hoje às 8:08 em ponto teve fim a minha vida
de carne. Virei vegetal. Imóvel no meu leito, não terei mais nenhum contato com
o mundo externo, pessoas externas, coisas que se mexem. Dei por encerrada ontem
minha última atividade e não erguerei um dedo para manter-me de pé. Que me
importa. Se quiserem me lavar, que lavem. Que me arrastem daqui e coloquem na
rua. Se quiserem me adotar como vegetal de estimação, muito que bem. Não ligo.
Alguns dirão covarde, outros nem darão por falta. Há quem faça anotações na
margem direita: tomou o caminho mais longo. Eu vegetal não penso no futuro, no
que acham de mim, o que fazer amanhã, o que responder, comer, vestir. Não há
mais devos. Só eu comigo mesmo. Olhos fechados, nem penso. Que o amigo sincero
não se preocupe, nem o pedagógico lamente. Pelo que deixei de fazer, eu até me
desculparia, não fosse já um vegetal completo. Tenho 99 moedas em Mi Ranita e umas tantas de ouro no banco. Devem dar para alguma coisa a quem souber
aproveitar. São 17:53 em Caracas, 16:53 em Bogotá, 15:53 em Manágua, 14:53 em
Denver, 11:54 em Honolulu, porque já passou um minuto. A cada hora o telefone
vai tocando menos. Um vegetal ninguém procura. Só evita. Contorna a casa onde o
vegetal está lá dentro, vegetando. Improdutivo. O visível com quem ninguém pode
contar. Depois fotografam a porta para nunca mais esquecer.