8.12.12

A natureza do mal




Foi assim que ela resumiu a sua história na delegacia. Afrouxei a gravata e acendi um cigarro. O filme que eu queria ver naquela noite não passaria mais. Em um curto espaço de tempo a gente aprende a esquecer os planos da semana inteira. Paciência. Meu filho afogou meu cachorro na piscina por pura maldade. Meu filho tem cinco anos e, desde que nasceu, me dá trabalho. Meu cachorro era velhinho, a piscina não tem escada, ele não poderia subir. Ele vivia comigo há doze anos, desde pequeno. Um grande companheiro, um amigo. Não sei por que o menino fez isso. Da janela da cozinha eu ficava de olho nele, vigiando qual seria a sua próxima maldade. Matar passarinhos, esmigalhar lagartixas, apertar o pescoço das galinhas, chutar nossos coelhos, tudo pra ele era natural. Da sua natureza. Ele não tem pai. Eu também não. Não é minha culpa. Ele era um bêbado que um dia deu um tiro na cabeça. A vida sem um pai fica difícil. Esta é a palavra certa. Mas com meu cachorro eu não precisava de palavras certas. Tudo se entendia entre nós. O garoto era um estorvo, alguma coisa está faltando na cabeça dele. Alguma coisa que eu não dei. Ou que eu dei para tirar de mim. Ele nasceu com toda a maldade que expulsei de mim. Foi um parto demorado. A cabeça saiu deformada, depois foi pro lugar. Meu cachorro sempre gostou dele. Tratava o garoto como um filhote seu. Ele aprendeu a andar com o cachorro. Comiam juntos na sala. Dormiam juntos. Depois que o menino nasceu, meu cachorro me abandonou. Eu achava engraçado. No começo me deu ciúmes, depois passou. Com um pouco mais de tempo eu sabia que iria gostar do meu filho. Eu só precisava de tempo. Meu filho era uma missão, o senhor entende? Talvez eu não estivesse preparada. A casa é grande. A piscina é funda. Cachorros sabem nadar, meu filho não sabia. Isso ele não aprendeu com o cachorro. Esperou o cachorro ficar velho para matá-lo. O meu filhotinho. Quando o vi boiando na piscina, nossos olhares se fixaram um no outro e vi que ele estava morto. Seus pelos espalhados no azul. A língua roxa. E o maldito garoto observando tudo de longe. Acho que sorria. Não sei dizer. O sol no meu rosto e a raiva por dentro não me deixavam vê-lo direito. Não gosto de luz por isso. Fui na cozinha e peguei dois sorvetes na geladeira. Sentei na beira da piscina e fiquei olhando meu cachorro morto lambendo um sorvete. Eu não iria chorar. Sabia o que ele estava pensando. Dois sorvetes de creme. Nosso sabor preferido. Rezei por ele, para que ficasse ao lado do Senhor. Para o Senhor acolhê-lo. Mostrei o outro sorvete ao menino. Ele sorriu para mim, veio correndo e sentou ao meu lado. Ficamos lá, os dois olhando para o cachorro enquanto o sorvete pingava. O sorvete derretia, mas não eu. Eu tinha uma missão. A missão de toda mãe. A primeira parte eu já havia cumprido. Quando os dois sorvetes acabaram, eu sabia que havia chegado a hora de completá-la. O menino atirou a caixinha na água. Ela ficou boiando no focinho do meu cachorro. Ele lambeu a boca melada e se levantou. Foi Deus que conduziu minhas mãos, doutor. Fique certo que foi Deus.