Foi assim
que ela resumiu a sua história na delegacia. Afrouxei a gravata e acendi um
cigarro. O filme que eu queria ver naquela noite não passaria mais. Em um curto
espaço de tempo aprendemos a esquecer os planos da semana inteira. Paciência. Meu
filho afogou meu cachorro na piscina por pura maldade. Meu filho desde que nasceu me dá trabalho. Meu cachorro era velhinho, a piscina não
tem escada, ele não poderia subir. Vivia comigo há doze anos, desde
pequeno. Um grande companheiro, um amigo, o único confidente. Não sei por que o menino fez isso. Da
janela da cozinha eu ficava de olho nele, vigiando qual seria a sua próxima
maldade. Matar passarinhos, esmigalhar lagartixas, apertar o pescoço das
galinhas, chutar nossos coelhos, isso tudo para ele era natural. Miolo de sua natureza. Ele
não tem pai. Eu também não. Não foi culpa minha. Era um bêbado que um dia deu
um tiro na boca quando me viu passar sorrindo. A vida sem um pai fica difícil. Esta é a palavra certa. Mas
com meu cachorro eu não precisava de palavras certas. Tudo se entendia entre
nós. O garoto era um estorvo, falta alguma coisa na cabeça dele. Alguma
coisa que eu não dei. Ou que eu dei para tirar de mim. Parece que nasceu com toda a
maldade que expulsei de mim. Foi um parto demorado. A cabeça saiu deformada,
depois foi pro lugar. Meu cachorro sempre gostou dele. Tratava o garoto como um
filhote seu. Ele aprendeu a andar com o cachorro. Comiam juntos na sala.
Dormiam juntos. Depois que o menino nasceu, meu cachorro me abandonou. Eu
achava engraçado. No começo me deu ciúmes, depois passou. Com um pouco mais de
tempo eu sabia que iria gostar do meu filho. Eu só precisava de tempo. Meu
filho era uma missão, o senhor entende? Talvez eu não estivesse preparada. A casa é grande. A
piscina é funda. Cachorros sabem nadar, meu filho não sabia. Isso ele não
aprendeu com o cachorro. Esperou o cachorro ficar velho para matá-lo. O meu
filhotinho. Quando o vi boiando na piscina, nossos olhos se fixaram um no
outro e vi que ele estava morto. Seus pelos espalhados no azul. A língua roxa.
E o maldito garoto observando tudo de longe. Acho que sorria. Não sei dizer. O
sol no meu rosto e a raiva por dentro não me deixavam vê-lo direito. Não gosto
de luz por isso. Fui na cozinha e peguei dois sorvetes na geladeira. Sentei
na beira da piscina e fiquei lambendo o sorvete olhando meu cachorro morto. Eu
não iria chorar. Sabia o que ele estava pensando. Dois sorvetes de creme. Nosso
sabor preferido. Rezei por ele, para que ficasse ao lado do Senhor. Para o
Senhor acolhê-lo. Mostrei o outro sorvete ao menino. Ele sorriu para mim, veio correndo e
sentou ao meu lado. Ficamos lá, os dois olhando para o cachorro enquanto o
sorvete pingava. O sorvete derretia, mas não eu. Eu tinha uma missão. A missão
de toda mãe. A primeira parte eu já havia cumprido. Quando os dois sorvetes
acabaram, eu sabia que havia chegado a hora de completá-la. O menino atirou a
caixinha na água. Ela ficou boiando no focinho do meu cachorro. Ele lambeu a boca melada e
se levantou. Foi Deus que conduziu minhas mãos, doutor. Fique certo que foi
Deus.