6.4.13

1 poema de Al Purdy






O poeta morto


Modificou-me na placenta
o irmão morto antes de mim
construindo um lugar no útero
ao saber que eu estava por vir:
escreveu palavras nas paredes de carne
pintando uma mulher dentro da mulher
sussurrando uma débil canção de ninar
que ressoa em meu coração cego ainda

Os outros eram lenhadores
pugilistas do agreste e agricultores
suas mulheres mansas e meigas
deles nada sobrevive
apenas uma imagem dentro da imagem
um fogão, uma chaleira fervendo
-- o que mais explicaria a mim mesmo
de onde essa música vem?

E agora em minhas andanças:
no deslumbre lírico de Alhambra
onde mouros construíram poemas de pedra
um rosto pálido de homem espreita
-- a sombra na caverna de Platão
lembra o pequeno morto
-- e no pálido azul de Samarcanda
as palavras lhe vêm lentamente
-- eu me lembro da música do sangue
na Rua dos Ourives


Dorme suavemente espírito da terra
enquanto dias e noites dão-se as mãos
e tudo se torna uma coisa só
espere calmamente irmão
mas sem contar que isso aconteça
que um grande brado anuncie a ressurreição
espere apenas um frágil murmúrio
de pássaros se aninhando e bosques brotando
a contar suas histórias passageiras
e saberá de onde vieram as palavras


(Al Purdy, em Beyond Remembering, 2000. Trad. livre MP)