27.12.18

RAM (slam poetry)



RAM
(Slam poetry)

Foda-se História Social da Arte e da Literatura.
Fodam-se Harry Potter, Grimm, Walt Disney.
Fodam-se Dostoiévski, Tolstói, Maiakóvski.
Fodam-se Flor do Lácio, Sambódromo.
Fodam-se Mário, Oswald e Carlos.
Foda-se o Pessoa na pessoa.
Maeterlinck no Debussy.
Fodam-se Hamlet, Macbeth, Bruce Wayne.
Fodam-se Sigmund e Lucian.
Foda-se Augusto Frederico Schmidt.
Fodam-se os sonhos intranquilos de Gregor.
Foda-se García Lorca.
Foda-se T.S. Eliot.
Fodam-se Queijos Franceses, Nova York, O Processo Civilizador.
Fodam-se João Cabral e o Melo Neto.
Foda-se o Lautréamont do Dylan Thomas.
O Dylan Thomas do Bob Zimmerman.
Fodam-se Janeiro, Fevereiro e Março.
Descartes: foda-se o Corcovado.
Foda-se Câmara Cascudo.
A Construção do Livro. A Cura pelas Pedras.
Os Diários de Sylvia Plath.
As Conversações de Deleuze.
A Conferência de Bretton Woods.
Fodam-se os Beach Boys, os Chicago Boys.
Fodam-se Abraão, Mateus, a tradução do rei Jaime.
Fodam-se Macintosh, Haxixe, Paul Verlaine.
Foda-se terra plana, terra redonda, terra quadrada.
Foda-se das Kapital.
Foda-se mein Kampf.
Fodam-se Blanchot, Bardot, Todorov.
Lispector, Swift e Riefenstahl.
Dietrich e os Sete Nibelungos.
Foda-se Gaius Valerius Catullus.
Pedicabo ego vos et irrumabo.
Foda-se Homero.
I Ching.
Mahabharata.
Jimmy Joyce e Pixinguinha.
Foda-se Thomas Mann.
Foda-se L’église des temps barbares.
Foda-se Irvine Welsh.
Foda-se The Story of the Irish Race.
Foda-se por quem sempre o Tejo chora.
Foda-se Kipling.
Lêdo Ivo e Oppenheimer.
Fodam-se Taxi Driver, Amélie Poulain.
Yamaha, Suzuki, Kurosawa.
Foda-se Marcel Proust.
Star Wars, Ronald Reagan, Scooby-Doo.  
Foda-se derradeiro ra ra ra, verdadeiro ra ra ra.
Foda-se se lá passar a Lusitana gente.
O ondulado das sebes.
A árvore colérica.
Rimbaud.
Mallarmé.
Rilke rilkeing Rilke.
L'autre moi.
Foda-se.






12.12.18

Rua do Passeio



Rua do Passeio



Mediana -- você tem de ser mediana. passar despercebida. usar duas cores de roupa, menos ou mais chamam atenção. rosto cinza asfalto, quem pisa todo dia em você não vai reparar que você está passando pela rua para entrar no prédio do real gabinete, do escritório de sua amante, do consultório da dentista que vai precisar olhar duas vezes para reconhecer a sua cara no meio do seu cabelo de bugra como a mãe não ralentava de dizer. ela vai consultar a agenda do dia para ver se vão ter tempo de dar uma quickie antes do próximo canal sentado na espera. meu corpo uma armadura que você vai ter de cortar furar costura por costura enquanto geme o telefone vibra quatro vezes vem o espasmo no braço dentro do garrote e você guarda rápido o resto das ampolas abre a porta até a próxima quando te vejo de novo sei não por aí. jogamos para perder. o jogo mal acaba passamos as fichas adiante você entra no escritório de sua amante e ela entrega o testamento para você assinar. você lateja. faltam gozos mais longos dias mais finos. ela olha a sua demora em assinar. os lábios vermelhos brilhando sob os dois buracos do nariz como duas mínimas janelas de vagão. aonde vai dar esse comboio. essa cidade. você está doente? não não. leia então e assine se concordar com os termos. os termos martelam um segundo por letra. ela sorri por vício. piedade de bureau. conhece todos os cômodos da sua cabeça tronco e membros. as cinco ampolas se entrechocam no bolso. a dentista toda amor de assepsia em gel secante você lembra. e você assina com uma caneta intitulada victor. acaricia o papel. olhando a tarde luminosa ela balança as pulseiras de orixá satisfeita ao ouvir o ranger da pena sobre a mesa e lhe traz um copo de água. oferece um bombom. não não. abre a gaveta e enfia o papel dentro. uma gaveta infantil. sua vontade de comê-la murcha. por mais que o prazer do desconforto conflagrasse os surtos da carne, havia aquela assinatura. o resto do seu sangue que ela disporia. o guardanapo branco picado no balcão quando vocês se tocaram em tudo que tem sua primeira vez. como as anêmonas brancas. eu a invento. ela espera impaciente uma despedida. seu dia de trabalho ainda não terminou. o meu nem precisa nascer. você enfia a língua em cada janela, desce para a boca vermelha e chupa seus dentes. a sua mão relutante mas imóvel no meu peito. dura dura como os chumbos do flagrum. eu te amo, você sucumbe com a cabeça naquelas mãos. ela tira o excesso de batom esfregando os lábios duros no seu rosto cinza para ressuscitá-lo. a voz baixa entorna adeus então pode ir agora. ela quer me arder e tranca a porta quando você sai para a Rua do Passeio ontem, às cinco da tarde.









8.12.18

Sabe-se lá





Sexta 13:00 acordo mais tarde do que uma semana inteira. 
desisto de lembrar de um sonho. 
3 ou 4 biscoitos puros sem café. um rebuçado com rum.
chove tanto que meu corpo é uma mosca morta. 
uma superfície de cerveja choca que largaram no balcão e saí correndo. 
um trovão despertou-me às 6 achando que eu me levantaria aos gritos. 
14:30 pedestres explicam que se eu descer por aqui toda vida, 
darei na champs-élysées. eu não perguntei nada. 
descer toda vida dá em qualquer lugar que se disser.  
16:30 concluo últimos capítulos. 
navego sem direção, pela palavra que me vem à cabeça. 
o primeiro tomo de Julio parece ser melhor que o segundo. 
sempre espero o máximo de meus autores favoritos. isso não é justo. 
ponto 1: rever tolerância enquanto as pedras de gelo se chocam no copo. 
18:10 ligar para M e dizer que fechei a tradução. 
ligo e desligo porque minha cabeça diz ser sábado. 
não tem ninguém no escritório. 
às 20:40 contestarei essa info cerebral mentirosa, é sexta sim. xinguei-me. 
ligo na segunda. 
belo poema de Carver. 
He works in the bargain basement of the soul, disse Broyard. 
ceia. sigo dietas. 
como na frigideira mesmo, simulando acampamentos.
21:15 a voz de B Preciado já está grave em 2018. 
casou-se com Paul Preciado como queria. leio fragmentos dispersos. 
se tomasse testô, 
eu sairia fodendo sem intelectuarreias e logofrotteurismos. 
o admirável e-mundo novo quadricula mamilos. 
aperto os meus para ver se estão no lugar que mamãe deixou 
esperando nove oráculos que eu fosse um rapaz.
"Olhos azuis Cabelos pretos." 
a natureza traiu seus planos cinematográficos. 
estou bem assim. substituo-me por álcool.
se mexo a peça fantasia para a casa real branca, 
não gozo nunca mais e estrago a noite do meu bem. 
1:45 troco o curativo. 
escovo os dentes com detalhes impacientes. 
volto ao primeiro tomo. 
ajeito os travesseiros. não chove. 
sabe-se lá por que tudo. 










7.12.18

Báratro





Báratro


Eu apostei tudo naquele corpo.













23.11.18

5'


Escrevi esta história enquanto o esperava. Sei que não virá.

Cheguei às 11 em ponto no local combinado. A drogaria estava deserta e sentei-me nos fundos para tomar um espresso. Meu estômago me espremia. Tudo suava. O homem sentou à minha mesa um minuto depois de mim. Talvez já estivesse ali. Talvez fosse o funcionário das injeções, o barista, o contador. Eu esperava um circunspecto, óculos escuros, músculos e meia dúzia de palavras. Como nas ficções. O homem era queimado de sol, esquálido e durante cinco minutos cravados, sorridentes, esboçou-me o recente nascimento de uma criança em sua numerosa família. Em detalhes seguros e rápidos, os que eu poderia reproduzir aqui se a história se interessasse. Eu mal falei. Um dos meus ofícios é acreditar. Ele não responderia quando, onde e como se eu lhe perguntasse. Ouvi aquela xaropada com uma pastilha de menta derretendo na boca. Eu tinha uma pressa oculta. Quando ele parou de falar por dez segundos, senti que havíamos acabado. Entreguei-lhe um maço de notas e mostrei duas imagens nítidas na minha tela. Eu não queria erros. Não queria aparas, lama nos sapatos. Eu queria a proporção perfeita. Ele guardou as fotos dos brutamontes na memória e puxou outra de papel de dentro da carteira. A do neto. O novo planeta de sua órbita. Vi lágrimas naqueles olhos claros. Uma mulher comprou cápsulas para constipação. Eu não pedi outro café. Levantei-me e fui ver os xampus ordenados nas prateleiras. A mesa do café estava vazia quando paguei no caixa. Eu precisava daquele troco. Eu precisava de silêncio. Do silêncio de guetos espelhados num lago após o bombardeio. 

11.11.18

Are



Are you a submerging poet?




10.11.18

Lerna


Viramos em minhas botas pretas impermeáveis.
Eu e minhas dormentes Danaides azuis.

O velho chamava-se Menina.






A






A respiração farta da própria carne.














Souvenirs-écrans







Numa casa de pensão em Copacabana vultos jantam em volta da mesa na sala de luz baixa é uma visão de segundos pela janela e jamais esquecida de tão criança. Não muito distante o tempo dali outra visão de uma cozinha com três sombras ao lado da mesma criança que agora tosse entalada com uma espinha de peixe não não precisa hospital bate nas costas e ela cospe outro dia dentro de um carro com os pais à noite cruzando a linha férrea onde parou no sinal seu triciclo vermelho e branco correndo na calçada da praia ou aquele jipe verde de brinquedo que a levaram até o barco entrar no mar e por ele ver as luzes batendo na água da noite escura que Ipanema mais à frente já tinha palmeiras bares biquínis canções e um Recreio dos Bandeirantes só mato areia e sol um plasma que só aparece na memória quando tem areia o resto tudo lhe aconteceu e foi gravado à noite pelo centro da cidade sem um nome definido pelas luzes dos prédios praças pelos ternos do pai os cigarros do pai as gravatas de cores mortas no radioteatro das bonecas sem cabeça com quem dormia numa poltrona-cama no quarto dos pais do pequeno apartamento de sombras perto na praia o farol girando orientando navios de uma ponta a outra do pequeno oceano da menina de mão queimada por leite fervente bota na água fria não! passa manteiga não! passa pomada Alivia e tosse tosse a garganta vai fechar opera! freiras éter arrancam da sua roupa as carnes metálicas com mais um pico de opioides e o ar passa como passou Laura amiga alta da irmã alta e a pequena lembra da canção do filme muito mais tarde num pé de vento e seu coração amolece com Laura no banco ajoelhada em poeira cristalina e gesso Credo in un dio che m'ha creato simile a sè na missa abafada de corpos em perfumes dominicais ascendendo por andaimes aos anjos de pincéis no teto da catedral ela canta no modo parlando inventa pecados do tamanho da hóstia imaculada mastiga a farinha e não peca com a morte ofício divino mas escreve com a mão esquerda na professora que diz é monstruoso e ela engole o lanche da mãe da merendeira de couro aprendendo a escrever com a mão direita na escola dos superiores e a sublinhar com lápis esse é o Lukács que achou na rua jogado fora mas compra Lévi-Strauss e deita já mulher Oswald com Macbeth e todos os outros depois destes até a terra sufocar sua Igreja da Sétima Gargalhada de Cristo na esquina das últimas forças da menina que ainda lhe sussurra você se esconde em mim.







3.11.18

Carro morto




O sol no para-brisa do carro morto ali fora. 
Do outro lado da veneziana do quarto. 
Longe os tambores de uma parada militar. 
Ou sua rotação dentro de máquinas de lavar. 
Pelas paletas da janela, o desenho do sol no teto de madeira. 
Folhas negras oscilantes de um frágil galho de árvore entre paralelas douradas. 
Somos dos seres inmunes.













1.11.18

Una notte a Napoli







Con il sole ed il mare 
monomotores do azul puxavam suas faixas
napalmizando rolos de corpos farpados
eu matava formigas ainda no berço
imóvel na banqueta
você me olhou
entre duas barsexuais
bêbadas de maita'i
você me olhou e ouvi
these 2 zombies are boring
entre dois versos de she’s like a shot
sua barriga suada de muay thai
era uma obra de arte 
all mine all mine

Quante notti da sognare?  
íamos vender bananas em Nápoles





27.10.18

23.10.18

Sintra


Como uma broa de Sintra. 
Solto um peidinho primaveril.

Diga a todos que batem à minha porta –
Ela está tuberculosa
Não pode ver ninguém
É contagiosa
Uma hora passa.
Bonita tarde.

O meu ódio é uma flor que se esforça.



21.10.18

Vício




No elevador, no teatro, abaixo-assinada.

Tarada.

Vício de rir por nada.

Lambe a mão de poetas suadas. 








16.10.18

Entre um poema e outro









Quando leio um livro. 

No espaço entre um poema e outro 

paro e penso -- 

Aqui a poeta foi comer um suculento bife à milanesa. 













9.10.18

A pound of flesh




Fim de festa. Juntou seus vinis, guardou e saiu com o peso nas costas.
O ponto de ônibus estava cheio dessas pessoas que chegam aos poucos.
Ninguém me ofereceu nem um maldito sanduíche, só cerveja quente.
Pagaram adiantado, em cheque preenchido com caneta tinteiro azul.
Pôs o cheque dobrado no bolso de trás da calça jeans.
Subiu e sentou no último banco. Os vinis no colo.
O relógio luminoso da estação de trem marcava 4:10.
Em casa a mãe ainda estava sonhando.
Você é o único culpado. Eu sei que é assim.
O melhor seria uma máquina de lavar.
O ônibus aumentou a velocidade.
Colocou os vinis ao lado da cama em silêncio.
A noite deitada.
Na cozinha panelas limpas e vazias sobre o fogão.
A geladeira aberta, viu garrafas d'água, cebolas ressecadas,
manteiga rançosa, batatas moles, massa de tomate mofada.
Abriu o saco de pão e pegou duas fatias.
Comeu encostado na parede iluminada pela rua.
Puxou o cheque do bolso e ele esfarelou em sua mão.
Molhado de suor.
Sentiu uma mordida no fígado.
Olhou pela janela ainda mastigando.
A mulher de cabeça baixa fumava no ponto.
Os ombros simétricos inclinados para a frente.
Rasgou o cigarro com o bico do sapato quando o bonde parou.
Amanhã ele ia pintar o portão.