12.12.18

Rua do Passeio



Rua do Passeio



Mediana -- você tem de ser mediana. passar despercebida. usar duas cores de roupa, menos ou mais chamam atenção. rosto cinza asfalto, quem pisa todo dia em você não vai reparar que você está passando pela rua para entrar no prédio do real gabinete, do escritório de sua amante, do consultório da dentista que vai precisar olhar duas vezes para reconhecer a sua cara no meio do seu cabelo de bugra como a mãe não ralentava de dizer. ela vai consultar a agenda do dia para ver se vão ter tempo de dar uma quickie antes do próximo canal sentado na espera. meu corpo uma armadura que você vai ter de cortar furar costura por costura enquanto geme o telefone vibra quatro vezes vem o espasmo no braço dentro do garrote e você guarda rápido o resto das ampolas abre a porta até a próxima quando te vejo de novo sei não por aí. jogamos para perder. o jogo mal acaba passamos as fichas adiante você entra no escritório de sua amante e ela entrega o testamento para você assinar. você lateja. faltam gozos mais longos dias mais finos. ela olha a sua demora em assinar. os lábios vermelhos brilhando sob os dois buracos do nariz como duas mínimas janelas de vagão. aonde vai dar esse comboio. essa cidade. você está doente? não não. leia então e assine se concordar com os termos. os termos martelam um segundo por letra. ela sorri por vício. piedade de bureau. conhece todos os cômodos da sua cabeça tronco e membros. as cinco ampolas se entrechocam no bolso. a dentista toda amor de assepsia em gel secante você lembra. e você assina com uma caneta intitulada victor. acaricia o papel. olhando a tarde luminosa ela balança as pulseiras de orixá satisfeita ao ouvir o ranger da pena sobre a mesa e lhe traz um copo de água. oferece um bombom. não não. abre a gaveta e enfia o papel dentro. uma gaveta infantil. sua vontade de comê-la murcha. por mais que o prazer do desconforto conflagrasse os surtos da carne, havia aquela assinatura. o resto do seu sangue que ela disporia. o guardanapo branco picado no balcão quando vocês se tocaram em tudo que tem sua primeira vez. como as anêmonas brancas. eu a invento. ela espera impaciente uma despedida. seu dia de trabalho ainda não terminou. o meu nem precisa nascer. você enfia a língua em cada janela, desce para a boca vermelha e chupa seus dentes. a sua mão relutante mas imóvel no meu peito. dura dura como os chumbos do flagrum. eu te amo, você sucumbe com a cabeça naquelas mãos. ela tira o excesso de batom esfregando os lábios duros no seu rosto cinza para ressuscitá-lo. a voz baixa entorna adeus então pode ir agora. ela quer me arder e tranca a porta quando você sai para a Rua do Passeio ontem, às cinco da tarde.