Esqueço das pessoas uma por
uma até não sobrar ninguém
os barcos saem aos poucos da
marina desde cedo
alguns a passeio outros ao trabalho
das primeiras horas da
manhã
eu os
acompanho um por um
o vento na
mudança das cores do movimento da água
a velocidade
que imprimem os mais apressados
como toda
gaivota se apressa em torno deles
o sol miúdo se expande e entra nas casas
não me
cansam estas manhãs inteiras ancoradas na varanda
vê-las
passar de barco sem me levar no convés mas no calado
o sol está
alto agora e bate no sorriso que meu rosto me faz
uma mulher
que não estava ali se interpõe entre nós
meus olhos e
o que vejo ficam atrás dela
os barcos a
marina
no lugar do
mar ela coloca um sorriso na boca
e sinto frio
um frio que
não estava ali
passo por
uma porta e o ar fica preso comigo
entre
paredes e móveis
um prato branco
sobre a mesa talheres
sente para
comer, a mulher instrui
descubro uma
janela aberta
ela mostra
do outro lado um muro
a mulher não
senta para comer
não tem um
prato na sua frente
não tem um
sorriso na sua frente
não tem uma
imagem nas paredes
a comida não
é boa nem ruim
umas frases
soltas atravessam meu pensamento
não sei de
quem são
para onde vão
elas passam outras as seguem
o caminho
seco
o ruído que me
inquieta
o peito que me aperta
a dor de
cabeça
remédios
fazem sangrar mais
atrás das
frases vêm imagens
minha mãe ou
o que sobrou dela
podem
destruir meus manuscritos
o que sobrou
dela não é aquela mulher
que não come
nem sorri
me leva para
lá e para cá
fala em
outra língua da minha língua
talvez não
seja para eu entender
“a fumaça do
meu sacrifício não ascenderá aos céus”
lembro de
uma passagem
agarro o binóculo
em meu colo
lá embaixo é
o mundo, você não precisa ir
entardece
o vento está
de volta
e os barcos
regressam de mais um dia
nunca
se atrasam